17 dezembro 2005

PROSTITUIÇÃO - LEGALIZAÇÃO, SIM OU NÃO?



“Quando eu era novo, a prostituição era uma actividade regulamentada e isso impedia muita coisa.”
Mário Soares

O conceito de prostituição pode variar dependendo da sociedade e das circunstâncias onde se dá. Num extremo em sociedades mais liberais, praticamente não existe a prática, pois a permissividade de troca é gerada pelo prazer ao invés do comércio; já no outro extremo, quando existe uma rigidez comportamental, é perseguida e punida como delito, e muitas vezes como crime.
O desejo carnal é um dos mais antigos da humanidade. Desde a criação do mundo, homens e mulheres se envolvem na sensual busca do prazer, onde o sexo é muito mais que uma forma de procriação. Antes mesmo da descoberta da roda e do fogo, o ser humano já buscava um meio de satisfazer sua necessidade sexual.
Na Antiguidade, em muitas civilizações, a prostituição era praticada por meninas como uma espécie de ritual de iniciação quando atingiam a puberdade. No Egipto antigo, as prostitutas eram vistas como sacerdotisas, recebiam honras de verdadeiras divindades e presentes em troca de favores sexuais.
Depois no período em que a Grécia e Roma, polarizaram o domínio cultural, as prostitutas eram admiradas, porém tinham de pagar altos impostos ao Estado para praticarem a sua profissão. Na Grécia, existia um grupo de cortesãs, muito ricas e belas que frequentavam as reuniões dos grandes intelectuais, exerciam grande influência no poder político e eram extremamente respeitadas. Participavam em orgias que tudo valia, e os Senadores, não só tinham uma segunda casa para as abrigar, como também satisfaziam os seus desejos sexuais com rapazes.
Na Idade Média, entre a alta sociedade as prostitutas, passaram a ser consideradas um “mal necessário”, já que contribuíam para preservar a castidade das moças que deviam chegar virgens ao casamento e ao mesmo tempo, estimulavam a “virilidade” do rapaz para que ao contrário da noiva, não chegasse virgem ao casamento, o que acontecia até à bem poço tempo em muitas sociedades, mas nessa mesma época o conceito do Sexo, através da Igreja Católica, começou a ser incutido, nas pessoas como sendo algo pecaminoso, quando não era praticado apenas para gerar os filhos.
Essa mensagem era transmitida pela Igreja Católica, detentora do ensino, com a alusão à Bíblia, em que no “Livro dos Génisis”, Adão e Eva, incluindo a maça, já simbolizavam o desejo, o pecado.
Se uma mulher não mantivesse virgem até ao casamento ou se fosse descoberta como sendo amante de um homem casado, era condenada a arder no Inferno pela Igreja e condenadas à vergonha pela sociedade, mas pior seria se fosse prostituta (de taberna), pois estava condenada a arder aqui ainda na Terra nas fogueiras do Tribunal do Santo Ofício.
Este pensamento foi perdurando durante séculos, mas hipocritamente eram os reis, príncipes, grandes senhores da nobreza e até membros do Clero que mantinham amantes ou satisfaziam os seus desejos carnais com prostitutas, porque ao pobres as suas carteiras não permitiam pagar para ter sexo. Estas prostitutas dos ricos, acabavam por conseguir tanto dinheiro, compravam títulos de nobreza, constituindo assim uma parte considerável da classe medieval dominante. Já com o fim da Inquisição, como em muitas Cortes, o poder das prostitutas era muito grande, pois muitas tinham conhecimento de questões do Estado, tanto que a prostituição passou a ser regulamentada.
Quando houve a Reforma religiosa no século XVI, o puritanismo começou a influir de forma significativa na política e nos costumes. Somada a este acontecimento, aconteceu uma grande epidemia de doenças sexualmente transmissíveis, e a Igreja então decidiu enfrentar frontalmente a prostituição, lançando dogmas para acabar de uma vez por todas com a promiscuidade e a actividade - que praticamente caiu na clandestinidade, apesar de ainda restarem algumas cortesãs.
Com o advento da Revolução Industrial, houve um crescimento na prostituição. As mulheres de então passaram a somar à força de trabalho, e como as condições eram desumanas, muitas passaram a prostituir-se em troca de favores dos patrões, encarregados e capatazes, expandindo novamente a prostituição e o tráfico de mulheres. Somente em 1899 aconteceram as primeiras iniciativas para acabar com a escravidão e exploração sexual de mulheres e meninas. Vinte e dois anos mais tarde, a Liga das Nações mobilizou-se para tentar erradicar o tráfico para fins sexuais de mulheres e crianças.
A ONU, em 1949, denunciou e tentou tomar medidas para o controle da prostituição no mundo. Desde o início do século XX, os países ocidentais tomaram medidas visando a retirar a prostituição da actividade criminosa onde se tinha inserido no século anterior, quando a exploração sexual passou a ser executada por grandes grupos do crime organizado; portanto, havia a necessidade de desvincular prostituição propriamente dita de crime, de forma a minimizar e diminuir o lucro dos criminosos. Dessa forma as prostitutas passaram a ser somente perseguidas pelos órgãos de repressão se incitassem ou fomentassem a actividade publicamente. A Holanda e a Alemanha foram mais além e regulamentaram e legalizarão a prática como uma profissão.
Com a disseminação de medidas profiláticas e de higiene e o uso antibióticos, o controle da propagação de doenças sexualmente transmissíveis e outras enfermidades correlatas à prostituição parecia próximo até meados da década de 1980 no século XX, porém, a Sida tornou a prostituição uma prática potencialmente fatal para prostitutas e clientes, havendo no início da enfermidade uma verdadeira epidemia.

Enfim, depois desta primeira explicação da evolução histórica da prostituição, hoje se analisarmos bem, tantos anos passaram e a forma e o estilo permanecem. Continua em todo o Mundo a existir uma prostituição de luxo para as classes ricas e políticas e a de estrada ou de pequenos apartamentos para os mais pobres. De facto em tantos séculos, só evoluímos ao nível da tecnologia, do bem-estar e saúde, mas a nível de pensamento ainda continuamos iguais aos nossos antepassados. Ainda hoje no nosso país, de forma mais sofisticada critica-se ainda quem já não mantém a “pureza” até ao casamento, aponta-se o dedo a quem se casa grávida, em que muito desagradavelmente se escuta o “aquela vai prenha” ou quando à mulher são conhecidos vários namorados quase em simultâneo, é o “aquela puta vai com uns e com outros”. É também esta sociedade retrógrada, dita evoluída, liberal, democrata, que continua a condenar a prostituição.
Será que aquela Igreja que mostrou o que era o Bem e o Mal, esqueceu-se de ensinar que existe o perdão, até para as prostitutas. Não foi o próprio Jesus Cristo, que quando lhe apresentaram uma mulher adúltera, cuja “Lei de Moisés” condenava ao apedrejamento, a este teste Jesus respondeu, que quem entre eles estiver sem pecado, que fosse o primeiro a atirar a pedra (Jo 8, 1-8).
Porque condenar as prostitutas? Prostituição significa vender o corpo. Sexo a troco de dinheiro. De certa forma, não acabamos todos nós por “vender” o nosso corpo? Um atleta profissional, um bailarino, um qualquer empregado fabril, da construção civil, um trabalhador rural, não está a trocar algo que resulta do seu corpo, quando recebe o seu salário? Um cantor não está a vender a sua voz, parte de um porto, quando recebe o pagamento de um espectáculo ou vende um disco? Um intelectual, poeta, escritor, filósofo, não vende o fruto da sua inteligência, que só um corpo humano pode produzir, quando vende um livro? Um actor também não está a ceder o seu corpo a troco do dinheiro que recebe para representar? E os actores de filmes pornográficos, porque esses estão a ser pagos para praticar sexo, estarão eles a prostituir-se? Também todos estes serão condenados?
Porque somos tão hipócritas? Acham que as mulheres, na sua maioria, se prostituem por simples prazer? Também elas cresceram na mesma sociedade condenante e como qualquer mulher também sonharam casar de véu e grinalda, fazer sexo, amor e dar filhos ao homem que amam.
Acham que é fácil a uma qualquer mulher, ter sexo com alguém porque quem não nutrem qualquer sentimento nem a mínima atracção ou que até mesmo muitas vezes as repugnam. Ter de suportar muitas das taras que os seus clientes, não praticariam com as suas esposas. Muitas delas para suportar a profissão, com recurso à droga e álcool ou acabam por ficar afectadas psicologicamente.
É obvio que muitas entram de livre vontade, porque são mulheres “ambiciosas” e vêm uma forma de vida fácil e de luxos que os seus pais ou maridos não lhes podem proporcionar, mas essas são na maioria originárias da classe média, ou são estudantes universitárias e trabalham em apartamento já com algum ou muito requinte, porque aquelas que se vendem na beira de estrada, são normalmente de origem muito pobre e cada vez mais em extinção.
Muito dos homens que frequentam o mundo da prostituição são homens na maioria frustrados, com pouco poder de seduzir uma mulher, ou com muitas taras por determinadas práticas sexuais, doidos por sexo, ou num número menor e esses são os menos frequentadores porque numa saída de amigos acabou por acontecer ou uma vez na vida sentiram a necessidade de fazer com alguém diferente.
Muitos desses frustrados sem qualquer poder de sedução, não buscam sexo, quando pagam a uma prostituta o seu soldo, muitas vezes querem apenas companhia para conversar e falar coisas que não teriam de falar com conhecidos.
Aqueles que buscam uma prostituta para fazer aquilo que não conseguem fazer com a sua esposa, acontece muito, porque existe falta de diálogo entre os casais. Porque os homens têm receio de convencer as suas mulheres a fazê-lo ou não têm capacidade de as seduzir a fazê-lo ou porque simplesmente são uns imbecis e entendem que essas práticas não são para se fazer com as esposas mas antes com as amantes ou as putas. Por vezes a culpa também é das próprias esposas, que também desejam mais do que aquilo que foi ensinado como sendo o que era normal fazer entre um casal e não têm coragem de pedir ao seu marido com medo que ele a ache uma mulher vulgar e depois também elas acabam por o buscar com um qualquer amante.
Muitas das mulheres que acabam por entrar neste mundo do sexo por dinheiro, são mães solteiras, divorciadas e até viúvas que apenas se integraram porque foi um último recurso, porque são boas mães e querem dar o melhor aos seus filhos.
Também muitas das que entram neste sub-mundo são imigrantes que chegam ao nosso país iludidas que aqui é um oásis, e por culpa do Governo, que não criou um método mais fácil para a obtenção de visto e a legalização da estada no país, muitos patrões, como não empregam os ilegais e quando o dinheiro acabam também por aceitar vender o seu corpo.
Não menos verdade, que muitas mulheres já chegam aqui com esse objectivo, sobretudo através de amigas, que viram enriquecer fácil, porque antes da crise económica que agora se vive, muito rápido enriqueciam. Mas mesmo estas, que vêm na prostituição um meio mais rápido de conseguir dinheiro para pagar dívidas no seu país, ou conseguir algum para comprar uma casa para si e para os seus pais e instalar um qualquer, vêem sempre com um propósito de que será um sacrifício necessário e quando obterem o dinheiro suficiente logo abandonam esta vida. É interessante verificar como em muitas delas, uma das suas preocupações e mandar dinheiro para melhorar a vida dos seus pais.
Igualmente, não é menos verdade, que muitas acabam por se habituar à profissão, porque lhes proporciona uma vida fácil e confortável, que se trabalhassem numa outra qualquer profissão. Essas são sobretudo mulheres que vêem de meios muitos pobres, normalmente muito bonitas e que se disponibilizam a tudo no sexo e trabalham nas melhores casas de prostituição.
Por muito que se continue a tentar impedir e condenar a prática, ela nunca vai terminar. Existem sempre meios de contornar os obstáculos. Depois o ser humano por dinheiro faz tudo ou quase tudo. Recordando o filme “Proposta Indecente”, Robert Redford, dizia quando falava com o marido da personagem representada por Demi Moore, que tudo tinha um preço, sobretudo quando quem deseja tem dinheiro e aquela que por carência precisa, acaba por ceder.
Legalizar, significa proteger quem é “obrigado(a)” a prostitui-se. É uma questão de dar direitos sociais a quem trabalhar, a começar pelo direito primordial à saúde, não só apenas a sua mas também por uma questão de saúde pública dos clientes e das suas parceiras. Tal como qualquer outro trabalhador, deve pagar os seus impostos e contribuir para a segurança social.
Legalizar seria também libertar as prostitutas da exploração de muitos grupos organizados, máfias, donos de casas de alterne, apartamentos, que trabalham sobretudo nas regiões transfronteiriças esses sim que enriquecem rapidamente e que deveriam ser condenados.
Seria também um meio de por fim a uma economia paralela, por onde passam milhares e milhares de euros, na sua maioria da lavagem de dinheiro de outras actividades também ilícitas.
O combate sim tem de ser mais exaustivo e penalizador para estes escravizadores, não só de mulheres mas sobretudo aqueles que traficam crianças.